10 de fevereiro de 2011

Oi, eu vou ali morrer e já volto

Este artigo, escrito por Geraldo TITE Simões, foi originalmente publicado no site do próprio autor (www.motite.com.br). Julguei o texto excelente por ser bastante esclarecedor sobre as causas de tantos acidentes envolvendo motociclistas (ou motoqueiros!).
Todos estamos sujeitos a sofrer algum acidente no momento em que saímos de nossas garagens, mas é absurdo ver como se busca piorar as coisas, seja pela falta de utilização de equipamentos de segurança, seja pela inobservância das boas técnicas de condução ou da legislação de trânsito.

Geraldo TITE Simões é instrutor especialista em segurança de motociclistas. Mais informações sobre os cursos que ele ministra você pode obter visitando o site do Curso SpeedMaster (clique aqui), pelo email tite@speedmaster.com.br ou pelos telefones (11) 5681-4518 ou 9478-7651.

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Oi, eu vou ali morrer e já volto


PorGeraldo TITE Simões

09/02/2011


De uns tempos pra cá me transformei naquilo que os jornalistas chamam de “fonte”, um sujeito que tem as respostas para determinadas perguntas. Minha especialidade com segurança de motociclista se tornou uma fonte para colegas da imprensa. Dias atrás recebi a ligação de uma jornalista de um grande veículo de comunicação (prefiro omitir nomes). A pergunta veio em uma semana especialmente dramática para os paulistanos, porque foram dois acidentes fatais por dia, engrossando as estatísticas macabras. Ela perguntou:

- Por que morrem tantos motociclistas? (ou algo parecido com isso)

Antes de responder pensei naquelas centenas de vezes que discursei sobre a educação de trânsito, fiscalização, faixas segregadas, falta de formação, baixo nível de escolaridade das vítimas etc etc e mais etc!

Só que cansei de divagar sobre esse assunto e dei a resposta que sempre quis, mas nunca tive coragem:

- Morrem porque querem!

Diante do susto natural da jornalista, repeti a resposta e ela reforçou que seria uma matéria publicada, se eu não queria rever a resposta. Respondi que não, que poderia deixar inclusive entre parênteses, citando meu nome como fonte, tipo:

O jornalista e instrutor Geraldo Simões, 51 anos, afirmou à reportagem que os motociclistas de São Paulo morrem “porque querem”.

Bom, a matéria saiu sem a minha declaração… porque a coragem que tive para assumir aquilo que autoridades tentam disfarçar, a colega não teve para publicar. Assim, as argumentações foram todas aquelas que todo mundo sabe na ponta da língua, mas que são todas um enorme disfarce para a mais óbvia das realidades: estes motociclistas morrem porque querem e ponto final.

Claro que há os acidentes, que devem ser classificados como tal quando nenhum dos agentes envolvidos teve a intenção de provocar. Mas acidentes são raros em São Paulo. O mais comum é a mais elementar das causas: a negligência, associada à prepotência, atributos de personalidade que imperam nos motoristas e motociclistas de SP. Se há negligência está clara a intenção por trás da ação.

Ah, mas o motorista mudou de faixa sem olhar! Sim, mas o motociclista estava rodando a 90 km/h no corredor com uma moto sem freio, com pneus carecas e de capacete desafivelado. Isto pode ser caracterizado como acidente? O choque talvez, mas a conseqüência não! O choque foi um acidente, mas o óbito foi causado por pura negligência.

Diariamente eu levo fechadas de motoristas nas mais criativas variações. Tem fechada pela esquerda, pela direita e até dos dois lados ao mesmo tempo. Só que rodo a uma velocidade compatível com os outros veículos, minha moto tem freios eficientes e pneus novos. Porque eu não quero me estabacar! E se cair meu capacete é novo, meu casaco é estruturado e uso calça com reforço.

Non ducor, duco

O lema da cidade de São Paulo expressa uma atitude tão tipicamente de motociclistas e motoristas paulistanos que soa como profecia. Não sou conduzido, conduzo! Ninguém me diz onde, nem como devo conduzir, mas conduzo à minha maneira, sem regras, sem sensatez, nem ordem. Minha lei é meu umbigo!

Com raríssimas exceções – mas bota raro nisso, tipo que precisa lente de aumento pra encontrar – a vítima fatal de um acidente de moto foi totalmente inocente. Casos como linha de pipa com cerol, caminhão sem freio na descida, bêbado que fura o semáforo são raros, mas adquirem muito destaque pelo dolo envolvido.

Só que os acidentes fatais que são contabilizados – e que vejo, porque estou diariamente nas ruas – são provocados por absoluta negligência do motociclista. Daí meu desabafo do “morre porque quer!”. Porque quer rodar no corredor a 90 km/h. Porque quer rodar com pneu careca. Porque quer usar um capacete de R$ 50 desafivelado. Porque quer rodar na calçada a 50 km/h. Porque quer pular o canteiro central de uma grande avenida.

Resumindo, morrem porque querem!

Soma-se esta conduta ao triste fato de as vítimas fatais se encontrarem na maioria entre 18 e 25 anos e temos mais uma trágica coincidência estatística. A adolescência, período que vai dos 12 aos 18 anos tem como característica a prepotência, comportamento que faz o indivíduo acreditar que as coisas ruins só acontecem com os outros. Como a maioria das vítimas são do sexo masculino e a adolescência do homem vai até os 25 anos (ou 50, segundo as mulheres!), isso explica boa parte destas vítimas.

Basta conferir qual a idade de alistamento militar para entender como o Estado pode aproveitar a prepotência a seu favor. Na faixa dos 18 aos 25 anos o soldado vai pro front achando que nada de ruim vai acontecer com ele, até um projétil .50 atravessar o cabeção.

Portanto, temos a fórmula ideal para que tudo de errado dê certo: sensação de prepotência + negligência = morte súbita!

Ou seja, morrem porque querem!

E querem saber? Não há a menor chance de esta situação melhorar. Pelo contrário, a tendência é piorar com a entrada cada vez maior de novos motociclistas. Mas também não pense que esta situação é limitada aos motoboys ou fretista.

É bom esclarecer que existem os motoboys e existe o comportamento motoboy. O que os especialistas chamam de arquétipo, uma repetição do mesmo comportamento. Tem donos de motos esportivas, BMW caríssimas que agem da mesma forma e que depois de um acidente fatal é transformado em vítima.

Os rachas na estrada, os atalhos pela calçada, a alta velocidade nos corredores mostram que os “playboys” também morrem porque querem!

Responda sinceramente: se fosse chamado pelas forças armadas para defender seu país do front de batalha, de fuzil na mão você iria? Eu não! Não quero morrer tão cedo nem entrar no fogo cruzado! Por isso não existe exército de soldados quarentões. A gente sabe que as coisas ruins também acontecem conosco!
  1. Muito bom o texto, realmente a prudência é a chave para trafegarmos com segurança no trânsito!

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  2. Excelente texto. Tenho 50 anos e ando de moto a pelo menos 30. Me orgulho de nunca ter levado nenhum tombo forte ou quebrado um único osso nesse período andando de moto. Tenho uma receita que sigo como lema: Tenho muito "respeito" (entenda-se "medo" também) da minha moto. Sei que o dia que perder este respeito ela me joga no chão. Alias, como já disse o sábio Jô Soares: "Moto foi feita pra te derrubar. Um dia ela consegue". Todavia, como o texto já esclarece, hoje em dia esta cada vez mais perigoso andar de moto em São Paulo. E não é por causa dos carros, pois esses eu já conheço. O problema é justamente os "morrem por que querem", pois andam como alucinados e se conseguirem, te levam junto pro alem também. Já presenciei alguns acidentes envolvendo dois motoqueiros e nenhum automóvel. Se chocaram ao disputarem que era o mais imprudente. É desses que tenho medo. Se querem se matar, lamento mas a vida é deles. Agora, não venham querer me levar junto. Grande abraço e parabéns pelo artigo

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  3. Muito bom o texto.
    Também sou motociclista e tenho 57 anos. Ando desde os 17 e também tenho a felicidade de
    nunca ter sofrido uma queda.(Graças a Deus)
    O para choque da moto somos nós, então ter prudência ao pilotar nunca é demais.
    Eu não quero me quebrar se outros querem o problema é deles.
    Grande abraço e parabéns.
    Ótima matéria. ..

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    1. Obrigado por seu comentário, Deny. O Tite, além de excelente instrutor, também é um ótimo jornalista especializado na área. []s

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  4. Ótimo texto! Muito interessante sua comparação com jovens indo para a guerra! A situação melhorará se a lei for aplicada, pois quando doi no bolso as pessoas mudam, mesmo os jovens. Se isso não ocorrer muda por razões demográficas, porque a população está envelhecendo. Até lá fica como está, infelizmente!

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